A empresa precisa ser preservada

As relações entre empresa e o universo do crédito não são tão singelas. Oferecem desdobramentos que merecem algumas reflexões, sobretudo quando emerge a necessidade de controlar crises financeiras.

A empresa é uma unidade econômica que interage no mercado, compondo uma labiríntica teia de relações jurídicas com extraordinária repercussão social. É uma unidade de distribuição de bens e/ou serviços. É um ponto de alocação de trabalho, oferecendo empregos. É um elo na imensa corrente do mercado que, por isso, não pode desaparecer, simplesmente, sem causar sequelas.

A atividade empresarial desborda dos limites estritamente singulares para alcançar dimensão socioeconômica bem mais ampla. Afeta o mercado e a sociedade, mais que a singela conotação pessoal. Daí por que urge prevenir eventual insolvência da empresa. Daí por que basta a presunção de insolvência para justificar a busca de uma solução jurisdicional.

O interesse de agir contemplado na prática recuperacional habita precisamente na necessidade de um provimento judiciário apto a dirimir não só a crise econômico-financeira de um empresário, mas também toda sorte de relações daí decorrentes, de modo a preservar, se possível, a unidade econômica produtiva. Portanto, a conservação da atividade negocial é o ponto mais delicado do regime jurídico recuperacional. Só deve ser banida do mercado a empresa inviável, aquela que já não congrega as condições necessárias para uma reorganização eficiente ou que não justifica o desejável resgate.

É bom frisar que a preservação da empresa não significa a preservação do empresário ou dos administradores da sociedade empresária. Proteger a atividade produtiva implica, quase sempre, apartar os reais interesses envolvidos na empresa dos interesses de seus mentores. A separação entre a sorte da empresa e a de seus titulares apresenta-se, às vezes, como o caminho mais proveitoso no sentido de uma solução justa e eficaz para a conjuntura jurídico-econômica da insolvência.

Se é verdade que a proteção do crédito mantenedor da regularidade do mercado é um intento que precisa ser perseguido, não é menos verdade que o interesse socioeconômico de resguardar a empresa, como unidade de produção de bens e/ou serviços, prevalece sobre quaisquer outros afetados pelo estado deficitário, porque se revela como o instrumento mais adequado para atender aos interesses dos credores, dos empregados e do mercado.

O princípio da conservação da empresa parte da noção de que a empresa é a versão dinâmica da propriedade, empenhada em multiplicar e distribuir a riqueza, resguardar os interesses da comunidade e desenvolver uma autêntica função social.

FAZZIO JURÍDICO