Invadir o hemisfério do conhecimento é conduta preliminar necessária para avaliar o tratamento conferido à questão do objeto do Direito. Por isso, permitimo-nos contaminar pela conjuntura interna e externa do conhecimento em voga, tendo em vista as amplas proporções e incisivas implicações que as tensões da integração social, de um lado, e os antagonismos da fragmentação, de outro, podem significar para a delimitação do real objeto do Direito.
Desde logo, repetindo Hannah Arendt, registramos o estágio de completo abandono em que se encontra a Filosofia. Modelado pelas Ciências Naturais, o conhecimento científico evolui, na mesma proporção em que o filosófico se encolhe, restrito a exarar justificações ou condenações da ciência. Os fatos, tais como são, têm primazia sobre o dever e o poder ser, bem assim sobre a moral. A expansão científica parece desconhecer freios, escudada na convicção de que o homem ocidental fará sempre opção preferencial pelas constatações parciais, pelos resultados tecnológicos e, em suma por uma práxis instrumental, vale dizer, sem espaço para reflexões críticas. Para ser fiel ao diagnóstico de Michel Villey:
“Hoje a filosofia constitui a maior lacuna. Nossos intelectuais se contentam com informações particulares úteis às necessidades da vida prática, informações fornecidas pelas ciências. As ciências modernas são as auxiliares da técnica, enquanto a filosofia é essencialmente inútil. A não ser pelo fato de nos orientar para o bem, o verdadeiro e o justo”.
Não é tão difícil de compreender por que o indivíduo, no mundo ocidental, olvide-se de encarar a si mesmo, dando preferência para a exterioridade da ação, dado que a ciência e a técnica dão provimento ao cotidiano e disseminou-se a idéia de que a sobrevivência do homem está visceralmente conectada com o progresso técnico-científico, ainda que seu preço seja o holocausto da dignidade e da aptidão para pensar o mundo. Também não é tão esdrúxulo que a verdade de cada um seja transplantada para a dimensão externa. As muletas concretas da técnica que aparelha as verdades científicas ensejam, senão o suficiente, o necessário cada vez mais voraz, que escamoteia a reflexão ou, no mínimo, protrai seu advento.
Boaventura de Sousa Santos demonstra que “de meados do século XIX até hoje a ciência adquiriu total hegemonia no pensamento ocidental e passou a ser reconhecida pelas virtualidades instrumentais da sua racionalidade, ou seja, pelo desenvolvimento tecnológico que tornou possível”. E conclui que “a partir desse momento, o conhecimento científico pôde dispensar a investigação das suas causas como meio de justificação”, o que significa que “socialmente passou a justificar-se, não pelas suas causas, mas pelas suas conseqüências”.
Por outro lado, é forçoso concordarmos com Marcuse quando delata que “a dinâmica incessante do progresso técnico se tornou permeada de conteúdo político”. De fato, o que Max Weber chama de racionalização, a depender da institucionalização do progresso científico e técnico, na verdade é uma forma especial de oculto domínio político.
Claro que nenhuma explicação é suficiente, mas todas são perigosas.